Por João Varella, advogado previdenciarista
Nas últimas semanas, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) voltou ao centro dos noticiários, desta vez por um motivo duplamente grave: denúncias de descontos indevidos nos benefícios previdenciários de segurados e a consequente exoneração do presidente da autarquia, Alessandro Stefanutto.
O estopim da crise foi a revelação de que associações e sindicatos estavam descontando mensalidades diretamente da folha de pagamento de aposentados, pensionistas e beneficiários do INSS, muitas vezes sem autorização expressa ou com autorizações viciadas. Em alguns casos, o segurado sequer tinha ciência da vinculação à entidade.
A prática, embora legal quando feita com consentimento, tem sido usada de forma abusiva. O Decreto nº 10.620/2021 e a Instrução Normativa nº 128/2022 do INSS preveem regras para o desconto em folha, mas exigem autorização formal do segurado. O problema está justamente na fragilidade desse controle: há relatos de cadastros feitos por telefone, sem gravação válida, ou mediante formulários genéricos assinados sob indução.
Diante da repercussão, o Ministério da Previdência Social ordenou uma apuração rigorosa. O próprio ministro Carlos Lupi determinou o bloqueio preventivo dos descontos associativos nos sistemas do INSS. Pouco tempo depois, veio a exoneração de Stefanutto, em meio à pressão por maior controle e transparência no uso dos sistemas da autarquia.
O episódio reacende uma discussão antiga: até que ponto o INSS tem controle sobre os consignados e descontos permitidos nos seus sistemas? E, mais importante: quem protege o segurado, especialmente o idoso, de práticas abusivas e da captura por entidades de fachada que, muitas vezes, sequer prestam serviços efetivos?
A Constituição Federal, em seu artigo 194, assegura a proteção à dignidade do beneficiário da Previdência Social. Isso inclui, também, proteger seu benefício contra descontos não autorizados e preservar sua renda mínima. No entanto, a realidade mostra que o sistema ainda falha — e falha de forma grave.
É necessário rever os critérios de autorização de descontos, exigir biometria ou confirmação eletrônica robusta, e punir associações que atuam de forma predatória. Além disso, é papel do novo presidente do INSS — ainda a ser nomeado — devolver à autarquia o controle, a transparência e o compromisso com o cidadão que mais precisa.
O episódio serve de alerta: o sistema previdenciário brasileiro precisa ser blindado contra práticas oportunistas, e o segurado não pode continuar sendo a parte vulnerável em uma engrenagem que deveria protegê-lá.
João Varella Neto - OAB 30.341
Especialista em direito previdenciário - Vice-Presidente da AAPREV-PE(Associação de Advogados Previdenciaristas)