“Associação” que ninguém pediu: o que fazer com os descontos no INSS (e o acordo que veio tarde e torto)

“Associação” que ninguém pediu: o que fazer com os descontos no INSS (e o acordo que veio tarde e torto)

Associação que ninguém pediu: o que fazer com os descontos no INSS (e o acordo que veio tarde e torto)

Imagina a cena.

Você entra numa padaria, compra um pão e, quando passa o cartão, o sistema automaticamente cobra também um “boleto do clube dos amigos da padaria”. Sem aviso, sem pergunta, sem assinatura. E isso se repete todo mês. Quando você percebe, já foi metade do décimo terceiro.

Parece absurdo? Pois é exatamente isso que aconteceu com milhões de aposentados e pensionistas do INSS — vítimas de descontos indevidos de mensalidades associativas. O nome é pomposo, mas a prática é velha: usar o CPF alheio como caixa automático.

Depois de muita pressão, escândalo e ações judiciais, veio o tal Acordo Interinstitucional de julho de 2025. Um pacto entre INSS, AGU, MPF, DPU e OAB para “resolver” o problema. 3

Mas… resolver mesmo?

Nem tanto.

Se você é advogado, ou se está ajudando um aposentado a reaver esses valores, aqui vai o guia direto, ilustrado e sem rodeios sobre o que está acontecendo e como agir.

O golpe da “mensalidade associativa”: como funcionava?

Pessoas idosas recebiam ligações, cartas ou visitas com promessas de benefícios milagrosos: aumento de aposentadoria, cartão de crédito, convênio médico.

Em troca, “associavam-se” a entidades com nomes pomposos (Federação Nacional dos Não Sei Quê dos Aposentados Brasileiros), que metiam a mão direto no benefício via autorização eletrônica (muitas vezes fraudulenta).

Resultado: 9,4 milhões de benefícios sofreram descontos entre março de 2020 e março de 2025. Valor estimado das fraudes? Quase R$ 3 bilhões.

O que diz o Acordo?

Em resumo: “Se você não autorizou o desconto, pode contestar e receber o valor de volta.”

Mas veja bem: isso não é automático.

Como funciona a devolução?

1. Por onde contestar? Use um dos canais abaixo:

  •  App Meu INSS 
  • Central 135 – Opção: “Consultar descontos de entidades associativas” 
  • Atendimento presencial nos Correios 
  • Ações em áreas rurais promovidas pelo próprio INSS

Importante: o sistema foi aberto em 14 de maio de 2025 e deve ficar disponível por pelo menos 6 meses, com possibilidade de prorrogação.

2. Não precisa de documentos?

Não no início. Basta dizer: “Isso aí eu nunca autorizei.” A partir disso, começa a briga da associação com o INSS.

3. E se a associação não provar nada?

Tem 15 dias úteis para devolver o valor ao INSS. Se não devolver, o INSS paga ao segurado e depois cobra da entidade. O dinheiro cai direto no benefício. 

4. E se apresentarem documentos falsos?

O beneficiário pode dizer:

• “Isso aí não é meu.”

• “Nunca assinei nada.”

• “Fui enganado.”

• “Assinei, mas achei que era outra coisa.”

Nesses casos, a associação tem 5 dias úteis para devolver. Se não fizer, o caso encerra no INSS e vira caminho judicial.

 

E o advogado, entra onde?

Aqui o acordo dá um “afago” no profissional, mas só se ele já estava atuando:  Se havia processo contra o INSS ajuizado até 23/04/2025, o advogado recebe 5% de honorários sobre o valor devolvido administrativamente.

Precisa:

• Pedir a extinção do processo;

• Requisitar os honorários via RPV ou precatório no juízo da causa.

Mas se não havia ação… não tem honorário. Mesmo que você tenha feito todo o trabalho de orientação, protocolo, conferência, monitoramento.

Atenção: se quiser continuar na Justiça, NÃO aceite o acordo no Meu INSS

Este é o ponto mais importante: Se o beneficiário quiser continuar lutando judicialmente, buscando:

• Devolução em dobro dos valores descontados;

• Danos morais contra o INSS (por falha na fiscalização);

•Danos morais e criminais contra a associação (por falsidade ideológica, estelionato, uso indevido de dados);

… então ele não pode aceitar a proposta de devolução administrativa. Ao clicar “sim” no aplicativo Meu INSS, ele aderiu ao acordo, e isso significa:

• Renúncia à ação judicial contra o INSS;

• Extinção do processo com quitação total;

• Perda do direito à indenização mais ampla.

 E mais: os processos em andamento contra o INSS serão sobrestados (paralisados) por decisão do STF na ADPF 1236, aguardando desfecho da análise do acordo.

Mas se o segurado quiser esperar e brigar na Justiça, ele pode. Só não pode aderir ao acordo.  E se houver devolução duplicada (judicial + administrativa)?

O INSS cobra de volta. Se o segurado não devolver voluntariamente, desconta até 30% do benefício.

Dicas práticas para o advogado

✅ Organize triagens com aposentados e pensionistas do seu município.

✅ Acesse o extrato no Meu INSS e procure linhas de desconto com nomes desconhecidos.

✅ Protocole a contestação imediatamente.

✅ Documente cada passo com prints, recibos, capturas de tela.

✅ Oriente o cliente sobre os riscos da adesão cega.

✅ Aja rápido: o prazo corre e, quando expirar, a “porta” fecha.

 

Conclusão: não basta resolver, é preciso vigiar Este acordo é só o tapa no machucado. A ferida continua: sistemas frágeis, fiscalização ausente e idosos vulneráveis. Como advogados, precisamos não só ajudar a recuperar o que foi perdido, mas pressionar por mudanças reais: segurança, transparência, responsabilidade. E, claro, honrar nosso papel: estar do lado de quem é enganado, não de quem lucra com isso.